sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Por Jeane Melo
Perfil

                             História que rende um livro

Com uma vida agitada entre os afazeres domésticos e os compromissos com a igreja, a ex-costureira e atualmente dona de casa, Marli Barbosa me recebe em pleno domingo para conversarmos um pouco sobre sua vida.
São 15 horas da tarde e como combinado toco a campainha da casa e sou recebida por ela. Com um lenço amarelo na cabeça, um vestido florido e uma colher de pau na mão, Dona Marli ou simplesmente “Tia Deta”, como é conhecida, me leva até a cozinha, pois prepara um chocolate quente para ser vendido nas barraquinhas da igreja em que frequenta.
A sexta filha do casal Manuel e Lindaura, Dona Marli nasceu em Aracaju, capital do estado de Sergipe. Em 1964 aos 16 anos juntamente com sua família veio para Brasília de onde não saiu mais. Hoje aos 63 anos, mãe de um casal de filhos, Sidnéia e o Sidnei e com três netos que são suas grandes paixões, a dona de casa se diz muito grata a Deus pela família que construiu ao lado do Seu Romão, com quem foi casada por mais de 34 anos. Mas, como na vida de Dona Marli nem tudo sempre foi alegria, em 2001 seu esposo veio a falecer vítima de um câncer.
Ao falar dessa fase de sua vida percebo nos olhos de Dona Marli uma tristeza profunda, mas sua filha que se encontra também na cozinha ajudando no preparo do chocolate trata logo de mandar a tristeza embora e comenta o sucesso da bebida. “Olha, não é porque é a minha mãe que faz não, mas o chocolate é bom, outras comunidades até nos procuram para saber a receita". Dona Marli aproveita a situação e complementa. “Mas tudo que é feito com amor fica gostoso, não tem jeito”.
Entre uma mexida e outra no chocolate para não “embolar”, Dona Marli me fala um pouco mais de sua rotina. Como mora com a filha e um neto desde a morte de Seu Romão, de segunda à sexta levanta às 5h30 da manhã para preparar o café da filha que sai para trabalhar as 6h30. Dona Marli a acompanha até a parada de ônibus e de lá segue para um posto de atendimento social que oferece para as famílias carentes pão e leite. A dona de casa faz questão de buscar os alimentos, principalmente o leite, pois o utiliza para fazer canjica ou chocolate quente para as festas da igreja.
Ao sair do estabelecimento, sempre passa por uma banca de jornal de onde não sai com pelo menos dois jornais, não porque aprecia a leitura, mas pelas promoções que muitas vezes esses jornais oferecem aos seus leitores.
Como gosta muito de conversar com a dona da banca passa horas no local e muitas vezes quando percebe já está na hora de preparar o almoço para o neto que estuda no período da tarde. A filha que está por perto aproveita o rumo da conversa e comenta. “Minha mãe às vezes esquece da vida, nunca vi uma pessoa conversar tanto, outro dia meu filho me ligou porque estava preocupado com a avó que havia saído e já era hora do almoço e ela ainda não havia voltado”.
Já as tardes Dona Marli frequenta o centro comunitário Santo Expedito, de onde é coordenadora, lá juntamente com mais três senhoras oferece gratuitamente à comunidade cursos de bordado, crochê e corte e costura.
Com uma conversa agradável, mas já próximo de Dona Marli se arrumar para ir à igreja combino com a mesma de nos encontrarmos outro dia para terminarmos nosso bate papo, mas antes de me despedir não resisto ao convite e experimento à bebida, e realmente posso comprovar, é gostosa mesmo!
Já no sábado seguinte, como combinado me encontro com Dona Marli, dia inclusive de pesagem na Pastoral da Criança em que a mesma também é coordenadora. A acompanho durante a amanhã e que loucura, crianças correndo para um lado e para o outro, mães pedindo ajuda para comprar um remédio ou alimento, Dona Marli numa correria danada para atender a todos sempre com muito zelo e carinho. No decorrer do dia paro para conversar com uma mãe que emocionada diz. “A tia Deta é uma benção que apareceu na minha vida, meu filho estava desnutrido e eu desempregada, não tinha como comprar se quer um pão, quando ela soube da minha história me recomendou a uma conhecida para que eu pudesse trabalhar como diarista, e olha que já se vão cinco anos com essa mesma pessoa”.
Dona Luzia, outra componente da pastoral e uma companheira de Dona Marli nas caminhadas dentro da igreja católica há mais de 30 anos fala do prazer em ser amiga dessa pessoa “tão espiritualizada” como ela faz questão de frisar. “A Marli é assim o tempo todo, sempre trata a todos com muita atenção e com uma alegria que dá gosto de ver”, e complementa. “Olha que nem quando ela passou por algumas tribulações como foi a perda do Seu Romão e de duas irmãs a vi cabisbaixa e mal humorada, ela é uma pessoa realmente do bem.
 No finalzinho do encontro espero Dona Marli guardar o material e fazer uma oração agradecendo a Deus por mais um dia e por todas as crianças e famílias que são atendidas pela pastoral. Despeço-me agradecendo pela atenção e a mesma com um sorriso no rosto diz. “ Quando precisar é só me procurar, estou pensando até fazer um livro, quem sabe você não me ajuda?”. A respondo prontamente. “Será uma honra, e pode ter certeza, a história de vida da senhora dá um livro”.

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